Depois, depois de muito tempo, reencontro Paulo Alcântara na saída de um banco em Anajé. Amigos desde a infância, dali mesmo rumamos direto para o bar de Tema, onde molharemos a palavra até que parentes mais próximos deem por falta. Apologistas dos bares enquanto locais de reflexão e partilha, ali nos detemos sobre os mais variados assuntos.
A certa altura, Paulo quer saber da Casarão do Verbo. Pergunta se editores são mesmo seres abnegados ou se de fato conseguem viver da venda de livros. Eu busco um disfarce, digo que deve haver maneiras menos industriosas de comercializar um produto e ele então aproveita para relembrar a tese do bom vendedor, que não é propriamente dele, mas de Zequinha Teixeira, o mais bem-sucedido homem de negócios de Anajé e arrabaldes. Quando meninos, Zequinha e seus irmãos vendiam pastéis a romeiros e viajantes que passavam por Anajé em direção a Brumado, Chapada Diamantina e Bom Jesus da Lapa. Três, quatro décadas mais tarde, os rapazes se tornaram os Irmãos Teixeira, donos de sortidos supermercados e de vastas fazendas de gado. São hoje sinônimos de bons vendedores, os melhores possíveis.
Mas qual é essa tese do bom vendedor?, pergunto.
Paulo conta que dia desses, num bar aqui perto, Zequinha se cansou de elogios e falou que bom vendedor, mas bom vendedor mesmo, não é aquele que vende açúcar e farinha na feira, celulares em shoppings, eletrodomésticos em lojas ou ações na bolsa de valores. Para isso parece haver sempre muito mais demanda do que oferta. Vendedor bom, afirma Zequinha, é aquele que sabe vender livros. Porque jamais se ouviu falar de alguém que acordasse de manhã, olhasse para o teto antes de se despregar da cama e prometesse a si mesmo:
— Hoje eu vou sair para comprar um livro.
Contesto ou me rendo à tese do empresário baiano? Vender palavra impressa deveria ser menos laborioso.
Por um lado, mexer com livros é um ato sublime e engrandecedor, não sabendo eu de algo que me proporcione prazer igual a esse que vai da ideia e concepção de um novo livro até o instante em que o reencontro na livraria, oxalá prestes a ser visto, folheado e comprado por um leitor.
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Por outro lado, no entanto, querer não põe mesa. É preciso muito mais que conteúdo e capa bonita para colocar um livro debaixo do nariz do freguês, como dizia Monteiro Lobato. É um mistério. Já muitas vezes me perguntei como é que esse pequeno casarão de fazer livros jamais quebrou ou teve suas atividades interrompidas. Tenho indicações para uma resposta.
A Casarão do Verbo foi fundada em 2007, a partir de uma conta Hotmail, sem capital inicial, sem mecenas para facilitar o caminho nem plano de negócio sugerido pelo Sebrae. Foi fundada para ser mais do que uma editora de livros tradicional e pensada enquanto instrumento de mudança social. Nasceu para tomar parte em algo que também lhe diz respeito: servir diretamente à comunidade na qual está inserida, oferecendo a esta mesma comunidade livros, sim, mas indo além para proporcionar-lhe ferramentas, ideias e projetos capazes de, a médio e longo prazos, repintar o ainda desolador quadro de analfabetismo e pouca leitura dos baianos. Vem daí, portanto, grande parte da força que a mantém viva, respirando mais e melhor a cada título lançado.
Vender livros pode não ser fácil — talvez nunca tenha sido — mas acreditar que dias melhores são sempre aqueles que estão à porta é quase uma obrigação. 2017 é o ano em que teremos finalmente atuado de forma sistemática e organizada para pôr em funcionamento alguns dos projetos que há muito tempo estavam na gaveta. O clube Bookeirão, juntamente com outros projetos — o Prêmio Casarão de Leitores e o Biblioteca Casarão Contêiner, por exemplo —, já são provas de que a editora Casarão esteve certa em suas apostas, valores, visão e missão. Ninguém achou que seria fácil; mas ninguém, tampouco, acreditou que seria impossível causar uma revolução com livros nas mãos.
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